Biologia & Ciências
31/03/2015
Freios moleculares
Moléculas de microRNA podem ajudar a frear desenvolvimento de vasos sanguíneos que nutrem células tumoraisPor Rodrigo de Oliveira Andrade (Revista Pesquisa FAPESP)
Um grupo internacional de pesquisadores, coordenado por brasileiros da Universidade do Novo México (UNM), nos Estados Unidos, e do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, deu mais um passo na compreensão dos mecanismos relacionados a angiogênese, um dos processos que levam à formação de novos vasos sanguíneos. Em um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), eles estudaram um conjunto de microRNAs, um tipo de ácido ribonucleico (RNA). Verificaram que essas moléculas parecem desempenhar um papel importante na regulação de dois RNAs específicos que ajudam na formação de novos vasos: o HIF1A e o fator de crescimento endotelial vascular, VEGFA.
A angiogênese é um mecanismo bem regulado em nosso organismo, sendo fundamental durante o desenvolvimento embrionário, por exemplo. Na fase adulta, no entanto, esses vasos sanguíneos, que às vezes brotam fora de hora e de lugar, podem estar relacionados a problemas graves, como o câncer. Nesse caso, o tumor só consegue se desenvolver se houver suprimento sanguíneo, que o alimenta e o ajuda a crescer e a se espalhar por outros tecidos. Há muito se sabe que os genes HIF1A e VEGFA são os principais responsáveis pela regulação da formação da angiogênese. O que os ativava, no entanto, permanecia sendo um mistério.
Os pesquisadores Diana Noronha Nunes e Emmanuel Dias-Neto, do A. C. Camargo Cancer Center, e Wadih Arap e Renata Pasqualini, da UNM, parecem ter encontrado uma resposta. No estudo, eles avaliaram se os microRNAs estariam envolvidos de alguma forma no processo que regula a angiogênese. Os microRNAs são moléculas que controlam a expressão de um tipo específico de RNA, chamado mensageiros, que transmitem as instruções contidas nos genes, levando à produção de proteínas que iniciam o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos. “Os microRNAs inibem a expressão das moléculas às quais se ligam”, diz Diana. “Quando um microRNA se liga ao um RNA mensageiro, como no caso do VEGF, ele o regula negativamente, impedindo sua tradução em proteína.”
Os pesquisadores, então, induziram a angiogênese na retina de camundongos para avaliar quais moléculas de microRNA poderiam se ligar aos RNAs mensageiros dos genes HIF1A e VEGF. Para isso, expuseram os animais a uma concentração de 75% de oxigênio em uma câmara durante cinco dias. Quando foram retirados do ambiente com alta concentração de oxigênio para a atmosfera natural, com 21% de oxigênio, as células da retina dos animais reagiram como se faltasse ar e deram ordem para a produção de novos vasos. “Enganamos as células para induzir a angiogênese”, conta Diana.
Eles observaram que, em condições de alta concentração de oxigênio na retina, um conjunto de seis microRNAs específicos se ligava aos RNAs mensageiros de HIF1A e VEGF, impedindo que eles fossem traduzidos em proteínas e que, com isso, se iniciasse o surgimento de novos vasos sanguíneos. Por outro lado, a queda brusca de oxigênio diminuiu a expressão simultânea destes microRNAs, e, com isso, os RNAs mensageiros de VEGF e HIF1A ficaram livres para produzir proteínas e iniciar a angiogênese. “Em outras palavras, para que a angiogênese aconteça no tecido da retina de camundongos é preciso que todas as seis moléculas de microRNA sejam ‘freadas’”, explica Diana.
A angiogênese tem sido um dos principais alvo de pesquisas em câncer no mundo (ver Pesquisa FAPESP nº 173). No entanto, as estratégias para o desenvolvimento de drogas antiangiogênicas ainda não foram muito bem-sucedidas. De acordo com Dias-Neto, contudo, a compreensão dos diferentes níveis de regulação envolvidos na angiogênese pode ampliar as perspectivas de estudos com o objetivo de impedir o crescimento e a disseminação de tumores.
Artigo científico
NUNES, D. N. et al. Synchronous down-modulation of miR-17 family members is an early causative event in the retinal angiogenic switch. Proceedings of the National Academy of Sciences. jan. 2015.
Esta notícia foi publicada na Edição Online 16:37 de 23 de março de 2015 da revista Pesquisa FAPESP. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.