Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

01/12/2014

Correr faz bem

Exercício aeróbico combate inflamação e enrijecimento dos pulmões em doenças respiratórias como asma e pneumonia
Por Maria Guimarães (Revista Pesquisa FAPESP)

Miniacademia: em esteira adaptada, vários camundongos podem correr ao mesmo tempo

Miniacademia: em esteira adaptada, vários camundongos podem correr ao mesmo tempo


A cautela bastante antiga que levava os asmáticos a se esquivarem de práticas esportivas parece estar baseada num engano, conforme vem mostrando o trabalho de Rodolfo de Paula Vieira, da Universidade Nove de Julho (Uninove). Desde o doutorado, realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o pesquisador graduado em educação física vem mostrando e detalhando como o exercício aeróbico combate os efeitos nocivos de doenças respiratórias. “É preciso que o exercício seja moderado para causar os efeitos benéficos sem desencadear crises de asma”, explica. “O problema é que é difícil controlar a intensidade do esforço de crianças numa aula de educação física.”

Vieira entrou no doutorado, em 2004, com a intenção de estudar os efeitos do exercício na asma, sob orientação da médica Marisa Dolhnikoff e do fisioterapeuta Celso Carvalho, também da USP. Sofreu o primeiro revés apenas um mês depois, quando foi publicado no Journal of Immunology um artigo do grupo da imunologista norte-americana Lisa Schwiebert, da Universidade do Alabama em Birmingham, mostrando que o exercício reduz os processos inflamatórios num modelo de asma em camundongos. Mas o jovem estudante não esmoreceu e partiu para detalhar esses efeitos, mostrando em artigo publicado em 2007, no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, que, além dos efeitos anti-inflamatórios nos tecidos pulmonares, o exercício também combate a fibrose típica da asma. “A inflamação não resolvida leva ao espessamento das vias aéreas, num processo progressivo e irreversível”, explica. Essa fibrose torna os pulmões menos flexíveis e reduz as trocas gasosas – efeitos que podem durar a vida inteira, mesmo que as crises sejam controladas.

Nos últimos anos, em parte durante um pós-doutorado na Universidade de Friburgo, na Alemanha, Vieira vem mostrando os efeitos benéficos do exercício físico em doenças respiratórias, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), síndrome do desconforto respiratório agudo e pneumonia, e também em situações que agridem as vias respiratórias, como a exposição à poluição atmosférica e o consumo de cigarros. Boa parte do trabalho foi feita usando camundongos como modelo, mas isso deve mudar em breve.

“No início de 2015 vamos inaugurar um centro de avaliação física e de reabilitação pulmonar aberto à população”, conta o pesquisador, mostrando uma sala com 15 esteiras elétricas – dessas de academia – e uma bicicleta ergométrica. “Vamos ter também equipamentos para musculação e estrutura para colher sangue, saliva e escarro induzido para análises.” Tudo isso em um espaço considerável que obteve no campus da Uninove na rua Vergueiro, no bairro paulistano da Liberdade, um enorme prédio onde circulam diariamente 35 mil estudantes. Apesar da pouca tradição em pesquisa acadêmica, a universidade cedeu e está reformando as áreas necessárias ao estabelecimento do laboratório de Vieira graças aos recursos do projeto no Programa Jovem Pesquisador da FAPESP, que entrou em vigor neste ano. A conversa que serviu de base para esta reportagem aconteceu em meio a equipamento recém-instalado. “Esta centrífuga foi entregue semana passada”, contou o pesquisador, enquanto ensinava alunos a operá-la. Até o final do ano, ele espera receber todo o equipamento que já adquiriu e ter condições completas de recrutar voluntários humanos para ceder esforço, escarro e sangue. “A ideia é avaliarmos não só os fatores inflamatórios e anti-inflamatórios nas vias respiratórias, mas também a inflamação sistêmica, no sangue, por meio da técnica de citometria de fluxo”, explica Vieira, se referindo ao aparelho principal do laboratório, obtido no Programa de Equipamentos Multiusuários da FAPESP.

Até agora, os trabalhos com roedores permitiram avançar mapeando como os efeitos do exercício chegam aos pulmões. Em artigo publicado em junho deste ano na revista Internationa l Journal of Sports Medicine, ele mediu quanto havia de proteínas com ação anti-inflamatória (interleucina-10) e inflamatória (interleucinas 4, 5 e 13) no líquido obtido por lavagem dos brônquios e no sangue de camundongos submetidos a um regime de exercício em esteiras adaptadas, com ou sem a aplicação de ovoalbumina, que induz nos roedores uma condição semelhante à asma. Os resultados mostram que a asma aumenta a concentração de fatores inflamatórios, que é reduzida com o treino cotidiano de corrida. “O exercício ativa os músculos esqueléticos, as células T regulatórias e o epitélio brônquico, levando à produção de interleucina-10, que entra na corrente sanguínea e chega aos pulmões”, resume Vieira. Grande parte dessa proteína fica na circulação sistêmica e pode combater a inflamação onde for necessário, mas uma fração entra nos pulmões e se soma à produzida ali mesmo.

Mas a novidade mais importante do estudo foi indicar que o aumento ou a redução da produção de determinadas substâncias em situação de exercício aeróbico inibe no pulmão a ativação de leucócitos, células do sistema imunológico envolvidas no processo inflamatório. Além das interleucinas, o exercício também inibe a ação de outros protagonistas nessa história: diversos fatores de crescimento, proteínas que atuam na proliferação e diferenciação de células e se acredita serem os principais mediadores das alterações nas vias respiratórias, como a fibrose.

Na fumaça

O efeito benéfico do exercício também se manifesta em pessoas saudáveis sujeitas aos efeitos nocivos da poluição atmosférica, como corredores que treinam perto de avenidas. No caso do experimento, feito em parceria com Marisa Dolhnikoff e Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FMUSP, os esportistas eram camundongos correndo em esteiras. Depois de correr por 10 minutos, eles recebiam uma gota em cada narina de uma solução concentrada das partículas emitidas pelo cano de escape de veículos a diesel. Depois voltavam a correr, simulando uma sessão de exercício aeróbico moderado. “Ficamos surpresos em ver que o exercício protege os pulmões”, conta Vieira, que esperava encontrar uma camada dessas partículas depositada no sistema respiratório dos roedores. “Agora precisamos investigar como isso acontece.” Ele imagina que o epitélio (revestimento) pulmonar pode ficar mais eficiente em remover o poluente, com cerdas microscópicas funcionando como vassouras incansáveis. Seja qual for o mecanismo, o resultado traz uma nota de otimismo para ciclistas que arquejam enquanto disputam espaço nas ruas com carros fumacentos, mas ainda é preciso esperar para ver se os experimentos com roedores refletem a realidade humana.

Outra fumaça que costuma causar danos extensos é aquela tragada por fumantes, e pode ser um fator importante no desenvolvimento de enfisema e DPOC. Em colaboração com o grupo de Milton Martins, da FMUSP, Vieira participou de um estudo em que, ao longo de 24 semanas, camundongos eram postos em câmaras ligadas a um tubo com um cigarro aceso na ponta, expondo os roedores à fumaça que é tragada, não aquela que acaba destinada aos que convivem com fumantes. Os resultados, publicados em 2012 no European Respiratory Journal, mostraram que um regime de treinos em esteira cinco dias por semana reduziu de forma significativa a produção de substâncias responsáveis por estresse oxidativo, ao mesmo tempo que aumentou o teor de enzimas antioxidantes. O saldo foi uma proteção contra o enfisema nesses roedores. Os resultados sugerem que, em humanos, a proteção pode valer também para DPOC. Camundongos continuam a fumar no laboratório da Uninove, de maneira que mais resultados devem surgir nos próximos anos.

Os esforços de Vieira vêm sendo reconhecidos não só pela ampla rede de colaborações e grande número de publicações, apesar de estar em plena instalação do laboratório. Seu grupo foi o mais premiado no congresso da Sociedade Respiratória Europeia, que aconteceu em setembro deste ano em Munique, Alemanha, com quatro prêmios recebidos. Um deles indicou que o exercício físico protege contra a pneumonia causada pela bactéria Pseudomonas aeruginosa, a principal responsável por infecções oportunistas em ambientes hospitalares e por mortes em unidades de terapia intensiva. “A inflamação era 70% menor na fase aguda da pneumonia”, explica. “Foi o primeiro trabalho do nosso grupo em infecção respiratória”, conta o pesquisador, celebrando a boa acolhida no encontro internacional que reuniu cerca de 22 mil especialistas.

Com o início dos testes com voluntários humanos e parcerias com hospitais e com o atendimento clínico na própria Uninove, Vieira promete muitas novidades nos próximos anos. Por enquanto, o recado aos asmáticos é: faça exercício regularmente, sob orientação, mas não exagere!

Esta notícia foi publicada na Edição 225 de novembro de 2014 da revista Pesquisa Fapesp. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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