Biologia & Ciências
19/02/2013
Identificação de Moléculas que Provocam Malformação Cerebral
Por Izabel Gardenal - UNICAMPDescoberta pode contribuir para a melhor classificação das displasias corticais.
Um estudo inédito na área de epilepsia apresentado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) conferiu recentemente o título de mestre à bióloga Simoni Helena Avansini. A pesquisadora conseguiu identificar pequenas moléculas chaves para o desenvolvimento das malformações cerebrais ditas displasias corticais. São elas os microRNAs batizados como miR-31, miR-34 e o let-7f, além do gene NEUROG2, que no estudo tiveram sua expressão alterada e explicam a presença de células aberrantes nessas displasias, em formato de “balão”. O achado pode começar a desvendar as causas das displasias corticais e contribuir para sua melhor classificação.
Essa célula em balão, observa ela, é indiferenciada porque o seu crescimento foi interrompido na metade do processo, e o gene que deveria estar regulando a diferenciação não está se expressando bem e nem no tempo adequado.
“Acreditamos que, como o NEUROG2 está com os seus reguladores (os microRNAs, principalmente o miR-31) alterados, ele também está desregulado, fazendo com que a célula embrionária não se diferencie apropriadamente em neurônio e leve à formação dessa célula em balão”, compartilha Íscia Cendes, orientadora da dissertação.
O estudo, que também teve coorientação dos biólogos da FCM Fábio Rossi Torres e Danyella Barbosa Dogini, avaliou essa malformação cerebral que é causa frequente de epilepsia e, na maior parte das vezes, tem o diagnóstico feito apenas na juventude.
O problema é que, apesar de fazerem uso de medicação, os pacientes não chegam a um controle efetivo da doença e, para a maior parte dos que têm epilepsia causada pela displasia cortical, a alternativa para diminuir as crises é a cirurgia para retirar a região que oculta a malformação.
Ocorre que nem com essa medida “radical” é possível obter 100% de controle pelo fato de, às vezes, as malformações acontecerem em áreas cerebrais “eloquentes”. Nesse caso, não podem ser retiradas por completo, por exercerem uma função essencial e por serem muito extensas.
“O que pode ser retirado é o mínimo necessário para o controle das crises, porque falamos de tecido cortical cerebral, um tecido nobre que rege movimentos, sensações, fala, raciocínio e uma série de funções superiores”, esclarece Íscia.
“O ideal seria tirar o máximo possível da área alterada, entretanto isso poderia afetar essas funções motoras ou sensitivas do indivíduo. Então o cirurgião vive o insano dilema do que pode ser retirado de uma lesão, que está levando à epilepsia, e o que ele gostaria de retirar para debelar o problema”, menciona a médica.
CÉLULAS EM BALÃO
Simoni investigou os mecanismos que causavam essa lesão: o que estaria formando-a durante o desenvolvimento e o que houve de errado para que a tivesse desencadeado?
A mestranda inicialmente avaliou tecidos de 35 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e, no decorrer de suas análises, a casuística restringiu-se a 17 pacientes. É que foram selecionados apenas aqueles casos que tinham células em balão. Essas células, diante de um olhar mais apurado, põem em dúvida, principalmente para quem avalia, se são células da glia (células de sustentação do sistema nervoso central) ou neurônios (responsáveis pelo impulso nervoso).
Além disso, na displasia cortical ocorre uma deslaminação do córtex maduro – a camada mais externa do cérebro – que normalmente é dividido em seis camadas. “Ele perde essas seis camadas e fica desorganizado. A diferença é evidente com o cérebro normal, que tem o tamanho certo e que emite dendritos e axônios, condutores de impulsos nervosos para as regiões corretas”, contextualiza Fábio.
Estando desorientados, esses neurônios aberrantes (gigantes) fazem conexões anormais com outros neurônios e, entremeados a esses, aparecem também as células que se assemelham a balões, típicas desse tipo de displasia.
Segundo Fábio Rossi, o diagnóstico é feito por meio de ressonância magnética, que indica se aquilo é displasia cortical, e pelo exame do tecido retirado após a cirurgia, que é avaliado pelo grupo da Anatomia Patológica, com vistas a confirmar o diagnóstico.
Para isso, Simoni contou com um banco de tecidos de pacientes que tinham sido operados. Na investigação desses pacientes foram realizados exames de neuroimagem, indicando os segmentos displásicos que deveriam ser operados; além de eletroencefalograma, que mapeou a área epileptogênica.
A cirurgia é realizada somente após as tentativas de controlar as crises com drogas antiepiléticas. Então é escolhida a área epileptogênica para ser retirada durante a intervenção.
MECANISMOS
Íscia informa que a sua orientanda estava focada nos mecanismos que geravam a lesão e buscando pistas, nos tecidos avaliados, que levassem ao desenvolvimento da displasia nos pacientes com epilepsia.
A docente expõe que, quando se está interessado em desvendar mecanismo molecular (os processos celulares e as moléculas envolvidas), uma das primeiras investigações deve ser sobre o que está regulando a expressão de genes.
Na verdade, há uma série deles que são ativados e desligados para que o desenvolvimento ocorra normalmente. Há pouco, foram decifrados os microRNAs, que também se encarregam de desligar os genes com a seguinte informação: “nesse momento não precisamos mais de sua ação”.
É fundamental que essa mensagem ocorra ao longo do desenvolvimento, mas no momento exato, já que é de se esperar que determinados genes funcionem numa determinada etapa para depois serem desligados quando não são mais necessários. “Logo, microRNA serve para isso: ‘desligar’ genes cuja função não é mais necessária. Se não funcionar bem, na hora certa, alterações patológicas no desenvolvimento podem ocorrer”, constata Íscia.
A hipótese do seu grupo era então de que a malformação era causada por uma falta de regulação de determinados genes no desenvolvimento. “Então olhamos como estariam os microRNAs no tecido da displasia que foi retirado na cirurgia”, descreve ela.
Notou-se que três microRNAs estavam desregulados, ou seja, não estavam expressos na quantidade adequado no tecido displásico, comparativamente ao tecido normal. “Quando eles não estão na quantidade exata, acabam não desligando os genes no momento em que deveriam”, informa a geneticista.
Deste modo, os genes ligados (expressos) causam processos moleculares atípicos. A célula em balão, comenta ela, estava lá porque era uma célula indiferenciada que não cumpriu o seu caminho até o neurônio por falha no mecanismo de diferenciação.
O que se sabia sobre o assunto era muito limitado. Não se sabia nem se essa célula em balão era de origem neuronal ou da glia, dimensiona Íscia. Desta forma, expõe, o trabalho de Simoni trouxe várias contribuições para o avanço do conhecimento científico. Um deles é que foi relevante para a compreensão do mecanismo de desenvolvimento da displasia cortical, o que ajuda a entender também o crescimento normal do córtex cerebral.
O outro foi o fato de que os microRNAs identificados podem ajudar na classificação das displasias corticais, isso porque existe uma classificação para afirmar com certeza se se trata de uma displasia 2A ou 2B. Isso depende de uma categorização histopatológica, feita mediante um estudo microscópico dos tecidos das células doentes ou com lesões. Essa classificação é valiosa pois tem relação com o prognóstico do paciente após a cirurgia.
É verdade que o paciente, quando submetido à cirurgia, tem chance de obter um melhor controle das crises ou não, dependendo do tipo de displasia. Só que encontrar essas células às vezes é uma tarefa difícil. É preciso examinar diversos campos e nem sempre se chega a uma conclusão.
Utilizando esses microRNAs, foi possível identificar uma “assinatura molecular” ou um biomarcador tecidual para a displasia do tipo 2B. O processo até aqui (fase 1) mostra que era preciso avaliar o tecido retirado na cirurgia para falar: “esta é uma displasia 2B porque eu examinei o material”. O próximo passo, que segue com o doutorado de Simoni, tem como objetivo verificar se a assinatura de microRNAs no tecido também aparece no plasma dos pacientes.
“O que fizemos foi identificar uma assinatura molecular da displasia no tecido. Agora, se isso poderá ser usado como marcador no plasma do paciente antes dele ser submetido à cirurgia, isso não sabemos ainda. Essa será a nossa expectativa na fase 2”, antecipa a orientadora.
Primeiro a bióloga identificou microRNAs que estavam diferencialmente expressos no tecido e relacionados com o processo molecular que leva à displasia. Agora, a questão é: “será que poderemos detectar essa mesma assinatura de microRNAs de uma maneira não invasiva, que não precise do tecido e sim somente de uma a amostra de sangue do paciente antes de partir para a cirurgia?”
Se realmente funcionar, realça a orientadora do estudo, a classificação será feita sem a necessidade de ter o tecido em mãos, estabelecendo o prognóstico que dirá se o paciente vai responder bem a cirurgia.
O trabalho de Simoni, na linha de investigação das bases moleculares das epilepsias, não seria possível sem a colaboração de uma equipe multidisciplinar e do centro de cirurgia de epilepsia na Unicamp, no qual os pacientes são operados, acoplado a um grupo que faz pesquisa básica.
Esta notícia foi publicada em 17/12/2012 no site www.unicamp.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.