Biologia & Ciências
07/11/2011
Entre as descobertas da ciência e a ética, as cobaias
A utilização de animais para pesquisas nas universidades é uma questão polêmica que está longe de ter um fim – seja por falta de métodos alternativos, versão defendida pelos pesquisadores, ou pela má vontade, como pregam as entidades defensoras dos animais. Alguns estudiosos alegam que o uso de animais é fundamental para o desenvolvimento da ciência. “Interromper essas pesquisas no Brasil seria como dar um tiro no pé. Temos de ir parando aos poucos”, diz o pesquisador e coordenador da Comissão de Ética para Uso de Animais do setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Aleksander Roberto Zampronio.A presidente da Sociedade Protetora dos Animais de Maringá (Socpam), Maria Eugênia Costa Ferreira, por sua vez, diz que não há parâmetros que comprovem que o uso de animais em pesquisas humanas é realmente eficaz. “Animal é animal e humano é humano, são seres diferentes. Não dá para comparar, tanto que depois acabam testando em pessoas. Só toleramos a utilização de animais em casos nos quais o bicho será beneficiado com a pesquisa ou procedimento, e não massacrado, torturado e depois morto”, diz.
Debate
A discussão sobre o uso de animais em pesquisas voltou à tona no início de outubro, quando uma liminar concedida pelo juiz Siladelfo Rodrigues da Silva, da 5ª Vara Cível de Maringá, proibiu o departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) de utilizar cães da raça beagle em experimentos.
A liminar foi concedida após acusação do Ministério Público do Paraná (MP-PR) de que os cães estariam sendo maltratados. Na denúncia, o MP-PR diz que os animais eram mantidos em condições precárias de higiene no Biotério Central da UEM e utilizados em experimentos odontológicos dolorosos, sem anestesia adequada. Um laudo do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-PR) confirmou as irregularidades.
Segundo a liminar, a UEM precisaria ter cadastro no Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (Concea), que monitora os procedimentos praticados com animais, para a utilização de cães. Além disso, o documento explica que as experiências feitas pelo departamento já são realizadas em seres humanos desde 2001.
Pesquisas
Os animais são usados em experimentos científicos de universidades e em testes de produtos, como remédios e vacinas. A Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) podem ser consideradas exemplos na experimentação animal. A UEL adotou medidas há 12 anos para reduzir o número de bichos em estudos. Cães não são utilizados pela instituição desde 1999. As pesquisas aproveitam, em sua maioria, ratos e camundongos. “Hoje, no biotério da UEL, só temos ratos e camundongos; há também hamster e outros roedores”, afirma o pró-reitor de Pesqui sa e Pós-graduação, Mário Sérgio Mantovani.
A redução no uso de animais em pesquisas, segundo Mantovani, não interferiu no trabalho realizado na universidade. “A UEL trabalhava com técnicas cirúrgicas em cães. Mas passou a desenvolver os experimentos em cadáveres ou modelos computadorizados”, exemplifica. No entanto, segundo ele, as informações reveladas com a experimentação in vivo, como é chamada a pesquisa com animais, é fundamental em alguns casos. “O sistema animal fornece informações importantes para o desenvolvimento de um novo medicamento ou um procedimento de tratamento”, justifica.
Regulamentação ainda é falha no país
Mesmo com a aprovação da Lei Arouca (nº 11.794), em 2008, pelo Congresso Nacional, o uso de animais em experimentos científicos no Brasil ainda precisa de regras específicas e mais claras. O pesquisador Alek sander Roberto Zampronio, da UFPR, diz que a lei foi um passo importante e que demorou 13 anos para entrar em votação e ser aprovada. “Foi uma conquista, mas precisamos de mais leis ou regulamentações que deixem mais claro como se deve fazer alguns procedimentos, como se fosse um manual”, diz.
O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), presidido pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, estabelece regras e limites para o uso dos bichos em experimentos. Todas as pesquisas das universidades paranaenses precisam ter a aprovação do comitê de ética da instituição e do Concea. Um passo importante, dado pelo órgão no segundo semestre deste ano, foi a criação do Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais (CIUCA), que deve estar disponível até o fim do ano. “Esse sistema vai coletar informações de todas as universidades do Brasil e saber quais animais são usados e para quê. Isso é fundamental para o controle”, diz Zampronio.
“Os animais devem ser utilizados para o benefício da ciência, no desenvolvimento de novas técnicas, vacinas e novos remédios. Penso que os pesquisadores devem fazer de tudo para não sacrificar o animal e a pesquisa tem de estar regulamentada e embasada na lei. No caso de ratos e camundongos, às vezes se faz necessário sacrificar, porque eles não podem ser utilizados mais de uma vez. O que não se pode fazer é expor o bicho ao sofrimento e à dor”, avalia o pesquisador.
Esta notícia foi publicada em 06/11/2011 no site gazetadopovo.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.