Biologia & Ciências
26/04/2010
Predadores Protetores
Por Fábio de CastroOs insetos herbívoros da espécie Guayaquila xiphias – “parentes” próximos das cigarrinhas e dos pulgões – produzem uma substância açucarada que atrai formigas, garantindo sua defesa contra outros predadores. Mas os herbívoros também precisam de proteção contra as próprias formigas, que são os insetos mais agressivos da floresta.
Uma pesquisa feita na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstrou pela primeira vez que esses insetos herbívoros são capazes de se proteger contra os ataques de formigas por meio de uma camuflagem química.
O estudo foi parte da pesquisa de mestrado de Henrique Silveira, defendida na Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia da Unicamp, sob a orientação dos professores José Trigo e Paulo Sérgio de Oliveira. Os resultados foram descritos em um artigo publicado em fevereiro pelos três autores na revista The American Naturalist, editada pela Sociedade Norte-Americana de Naturalistas.
A formiga é o artrópode mais abundante encontrado nas folhagens de ecossistemas tropicais. Vivendo nas folhagens, seus principais interesses são a busca de açúcar e a predação de insetos.
“Para um inseto herbívoro que vive nas folhagens, o risco de ser atacado pelas formigas é muito grande. Uma das formas que eles encontraram para minimizar esse risco é produzir gotículas de secreções açucaradas que induzem as formigas a mantê-los como fonte de alimento, em uma relação semelhante a que temos com o gado de leite”, disse Oliveira.
Os criadores de gado, no entanto, não estão interessados apenas no leite: os animais servem também para corte. No caso das formigas não é diferente. “Além do açúcar, as formigas estão interessadas em proteínas. Queríamos saber o que impede que as formigas ataquem os insetos herbívoros depois de consumir o açúcar que eles produzem”, disse.
Ao atrair as formigas, os insetos Guayaquila, segundo Oliveira, conseguem um eficiente “guarda-costas” contra os predadores da floresta. Mas, com isso, ficam expostos exatamente ao mais agressivo de todos eles. Um verdadeiro dilema. Para escapar a essa ameaça, esses insetos desenvolveram, no decorrer da evolução, uma camuflagem que faz com que as formigas não os reconheçam como presas.
“Normalmente, quando pensamos em uma camuflagem, tendemos a imaginar um recurso visual, como uma mariposa disfarçada pela semelhança de suas asas com a casca de árvores. Mas o universo sensorial das formigas não é visual como o nosso – é predominantemente químico. Elas reconhecem o que tateiam com suas antenas”, explicou o pesquisador.
A camuflagem dos insetos herbívoros é, portanto, química. Isto é, sua superfície é quimicamente semelhante à superfície das plantas onde vivem. “Ao consumir a substância secretada pelos herbívoros, as formigas os percebem como se fossem glândulas da planta secretando o açúcar”, disse.
Para provar essa camuflagem, os pesquisadores traçaram o perfil químico da superfície do inseto herbívoro e o compararam com o perfil da superfície da planta, constatando uma plena semelhança.
O grupo experimentou ainda colocar o inseto herbívoro em uma planta que não se parecia quimicamente com ele. Nesse caso, as formigas atacaram. “Sabíamos, também, que se a hipótese fosse verdadeira, ao transferir o ‘vestido químico’ do herbívoro para um animal que a formiga normalmente come, ele também passaria a ser menos atacado”, disse Oliveira.
A hipótese foi comprovada. Os cientistas “vestiram” uma larva que geralmente é comida pelas formigas com o “traje químico” do herbívoro que é capaz de enganá-las. Conforme o esperado, as larvas passaram a não ser reconhecidas como presas pelas formigas.
“A camuflagem química já havia sido levantada na literatura, mas pela primeira vez demonstramos que um inseto herbívoro que atrai formigas consegue se proteger dos ataques delas por meio desse recurso”, apontou.
Segundo Oliveira, em ambientes tropicais, cerca de 90% dos artrópodes nas folhagens são formigas. “Elas são tão abundantes porque são animais sociais. Uma colônia de formigas pode ter milhares de indivíduos e isso responde por sua dominância nos ecossistemas tropicais”, disse.
Este conteúdo foi publicado em 26/04/2010 no site Agência Fapesp. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor original da matéria.