Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

11/09/2007

Genes para conquistar o mundo

O domínio do planeta pode ter começado nas bochechas. Essa é uma das interpretações possíveis para a descoberta, publicada no domingo (9/9), na revista Nature Genetics, de que os humanos levam cópias extras do gene da amilase salivar. Os seres humanos têm mais cópias desse gene do que qualquer outro de seus parentes primatas, segundo o estudo. As cópias são utilizadas para inundar a boca com amilase, uma enzima que digere o amido.

A descoberta dá apoio à tese de que o amido foi um acréscimo crucial na dieta dos humanos ancestrais, e que a seleção natural favoreceu indivíduos que podiam sintetizar mais proteínas digestoras de amido.

“As cópias extra do gene são um caminho fácil para intensificar a expressão de uma proteína”, disse um dos autores do estudo, Nathaniel Dominy, professor assistente de antropologia da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, nos Estados Unidos.

Outros primatas comem primordialmente frutas maduras, pobres em amido. Uma nova habilidade para suplementar a dieta com amidos ricos em calorias poderia ter alimentado os grandes cérebros humanos, dando acesso a novos suprimentos alimentares que teriam impulsionado a colonização do planeta, de acordo com Dominy.

Os pesquisadores colheram amostras de saliva de 50 universitários norte-americanos descendentes de europeus e encontraram 15 cópias do gene de amilase por pessoa. Em comparação, foram analisados 15 chimpanzés e todos eles tinham exatamente duas cópias cada. Estudantes com mais cópias do gene também apresentavam concentrações mais altas da enzima na saliva.

Em seguida, a equipe estudou grupos de humanos com diferentes dietas. Foi observada uma correspondência similar entre a quantidade de amido na dieta de um grupo e seu número médio de cópias do gene da amilase.

“Os habitantes da Yakútia, no Ártico, cuja dieta tradicional é baseada em peixe, tinham menos cópias do que os japoneses, cuja dieta inclui alimentos ricos em amido, como o arroz”, exemplificou Dominy.

O mesmo padrão foi observado em duas tribos da Tanzânia, os datog, que são criadores de gado, e os hadza, que se alimentam de tubérculos e raízes. “Apesar da proximidade geográfica e do parentesco genético, há grandes diferenças na média de cópias nessas populações. Acreditamos que isso ocorra por causa da dieta”, disse o cientista.


Mistérios da paleoantropologia


De acordo com Dominy, ao estudar as origens humanas, os antropólogos sempre se surpreenderam com o súbito crescimento, quase simultâneo, do cérebro, do corpo e da abrangência geográfica. Outros primatas mudaram pouco no mesmo período. Para os cientistas, o fenômeno indica que os humanos devem ter encontrado uma melhor fonte de nutrientes.

“Este é o grande mistério da paleoantropologia: o que mudou?”, disse Dominy. “Por que nossos ancestrais se desviaram do padrão dos primatas e desenvolveram esse cérebro incrivelmente grande, tão dispendioso em termos energéticos?”

Por muitos anos, pensou-se que a resposta estaria ligada a uma crescente importância da carne na dieta, à medida que os humanos aprenderam a caçar. “Mas, mesmo entre as populações modernas de caçadores, a carne é uma fração relativamente pequena da dieta, mesmo com recursos mais avançados. Pensar que, há 2 ou 4 milhões de anos, animais de cérebro pequeno podiam adquirir carne com eficiência não faz muito sentido”, ponderou Dominy.

Alguns antropólogos começaram a suspeitar que a nova fonte de alimento consistia no amido, armazenado pelas plantas na forma de tubérculos e raízes – versões selvagens de cenouras, batatas e cebolas.

Para o pesquisador, assim que os humanos começaram a reconhecer as plantas que formam tubérculos, tiveram acesso a uma fonte de alimento desconhecida para outros primatas. “É uma mina de ouro alimentar. Basta cavar”, disse.

Os tubérculos podem ter sido especialmente importantes para o Homo erectus, que teria aprendido a cozinhar com fogo. Desde que essa idéia foi proposta, há cerca de uma década, os cientistas procuram provas para apoiá-la ou refutá-la. Mas não é uma tarefa fácil quando se trata de comida perecível consumida há 2 milhões de anos.

Mas, em um trabalho publicado no início de 2007, a equipe de Dominy descreveu que animais que comem tubérculos e raízes produzem tecidos corporais com uma assinatura isotópica que combina com a que foi encontrada em fósseis humanos.

De acordo com o cientista, a nova descoberta é uma linha separada de evidências, indicando a importância do amido nas origens humanas. “Quando o fogo foi controlado, cozinhar vegetais ricos em amido pode tê-los tornado mais fáceis de comer”, disse. Ao mesmo tempo, isso deve ter feito com que o organismo gerasse cópias extras do gene da amilase.

Agência FAPESP

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