Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

16/07/2009

Especiação sem barreiras

Trabalhando com simulações em modelos matemáticos, um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos acaba de propor um mecanismo de formação de novas espécies biológicas que não envolve barreiras físicas ou isolamento geográfico. O estudo está publicado na revista Nature.
De acordo com o primeiro autor do artigo, o professor Marcus Aloizio Martinez de Aguiar, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o mecanismo mais conhecido de formação de novas espécies biológicas é a chamada especiação geográfica: barreiras ecológicas impedem a troca de genes entre indivíduos de uma mesma população que, ao longo do tempo e submetidos a distintas pressões de seleção natural, acabam por gerar espécies diferentes.
Segundo ele, a principal contribuição do novo estudo é ter sugerido um mecanismo de especiação que prescinde das barreiras espaciais e da seleção natural, mas cujos resultados são compatíveis com os padrões de abundância de espécies observadas na natureza.
“O número de espécies existentes atualmente é muito grande – cerca de 100 milhões –, o que indica que a especiação é a regra e não uma exceção. Portanto, os mecanismos de especiação devem ser muito simples, embora sua compreensão não seja trivial. Um deles, sem dúvida, é o processo de isolamento geográfico, mas é improvável que seja o único. Nosso estudo aponta para a existência de um mecanismo diferente, em consonância com as observações experimentais”, disse Aguiar.
O artigo foi publicado pelo físico e colegas das universidades de Boston e do Arizona e do New England Complex Systems Institute, nos Estados Unidos.
Segundo Aguiar, uma das hipóteses aceitas para explicar a diferenciação das espécies com mecanismo de especiação geográfica é o avanço das geleiras nas eras glaciais, que formavam barreiras e isolavam grupos de animais por longos períodos.
“Mas alguns estudos confirmaram casos, como o da formação de certas espécies de aves, que não tinham correlação com a glaciação, sugerindo que deveria haver outros mecanismos. Aparentemente, o isolamento geográfico não dá conta de observar toda a variedade de espécies observada na natureza”, apontou.
Utilizando modelos matemáticos, os pesquisadores simularam populações de indivíduos idênticos distribuídos no espaço de forma a permitir a reprodução entre aqueles que não estivessem muito distantes uns dos outros. Mas, a partir de certa distância, essa reprodução não ocorria.
“Conseguimos determinar que existe uma distância crítica para que um indivíduo escolha um parceiro para a reprodução, mesmo sem a existência de barreiras. O tamanho dessa vizinhança onde as escolhas são feitas foi um dos parâmetros do modelo”, explicou Aguiar.
Além do fator relacionado a distância, o estudo determinou também que a reprodução só ocorre quando os indivíduos têm um certo grau de semelhança genética.
“Além da distância espacial, há também uma distância genética crítica. O que mostramos é que, se a distância espacial ou genética for muito grande, não há formação de novas espécies. Existe uma região de parâmetros na qual a especiação ocorre e uma outra na qual não ocorre”, disse.
Congestionamento natural
No modelo desenvolvido, cada vez que a especiação ocorria os cientistas analisavam quantas espécies eram formadas e quantos indivíduos apareciam em cada espécie.
“Esses padrões de números de indivíduos e de espécies são mais ou menos universais. As análises estatísticas dessas quantidades se mostraram bastante compatíveis com o que é observado na natureza. Esse foi um dos pontos fortes do estudo”, disse Aguiar.
Segundo ele, o mecanismo de especiação proposto, que não envolve o processo de seleção natural, é conhecido como mecanismo neutro. “Trata-se de uma formação espontânea de espécies, sem nenhuma pressão seletiva. É um processo natural que aparece simplesmente por conta de uma formação de padrões”, disse.
O surgimento de espécies sem barreiras físicas específicas, segundo o estudo, pode ser comparado aos pesados fluxos de tráfego de veículos, que podem formar engarrafamentos mesmo em casos isentos de acidentes ou barreiras.


Por Fábio de Castro
Fonte: http://www.agencia.fapesp.b
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