Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

25/10/2016

Frágil saúde dos adolescentes

Dois levantamentos nacionais alertam para níveis elevados de excesso de peso, hipertensão, colesterol total e sedentarismo.

Por Carlos Fioravanti

Os adolescentes passam por tantas transformações que mesmo eventuais problemas de saúde podem ser vistos como passageiros. Algumas alterações são normais nessa fase, mas nem tudo pode se resolver mais tarde sem maiores dramas. Dois amplos inquéritos nacionais – um com 75 mil e outro com 100 mil adolescentes avaliados em todo o país – desenharam um quadro preocupante da saúde da rapaziada. Um em cada quatro adolescentes apresentou excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) e um em cada dez, hipertensão arterial. De acordo com os exames de sangue feitos em um dos estudos, um em cada cinco apresentou taxas acima do recomendável de colesterol total. Essas alterações metabólicas ampliam o risco de morte por infarto e favorecem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes. A obesidade, a inatividade física e o tabagismo, também encontrado entre os jovens em níveis que os especialistas consideram preocupantes, podem contribuir para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer. O excesso de gordura em circulação no organismo pode prejudicar até mesmo o funcionamento do hipotálamo, a região do sistema nervoso central que, entre outras funções, controla o apetite.

Um dos levantamentos, o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), mobilizou cerca de 500 pesquisadores de 30 universidades do país. Em 2013 e 2014, os entrevistadores coletaram informações sobre 75 mil adolescentes de 12 a 17 anos em 1.247 escolas públicas e privadas de 124 municípios de todo o país. De acordo com esse estudo, financiado pelo Ministério da Saúde (MS), o sedentarismo, que pode levar ao ganho contínuo de peso, é alto. A maioria (54,3%) dos adolescentes avaliados não pratica atividades físicas regulares além das aulas de educação física, de modo a atingir as cinco horas semanais de exercícios, recomendáveis para essa faixa de idade.

A maioria (66,6%) também passa duas ou mais horas por dia na frente da televisão, diante da qual prefere fazer as refeições, nem sempre regulares. Metade dos participantes do estudo relatou o hábito de tomar café da manhã e fazer as refeições com os pais, mas a outra metade, principalmente os estudantes de escolas públicas, não tem horários regulares e companhia dos familiares, e mantém uma alimentação desequilibrada e pouco nutritiva, com muitos alimentos industrializados, em geral muito calóricos, com níveis elevados de gordura e sal.

“Temos de nos preocupar com os problemas de saúde e com os hábitos dos adolescentes, como o sedentarismo, o consumo de bebidas alcoólicas e o tabagismo, que dificilmente serão modificados depois”, comenta a médica Katia Vergetti Bloch, professora de epidemiologia do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora nacional do Erica, detalhado em 13 artigos publicados na edição de fevereiro da Revista de Saúde Pública. “O risco de se tornarem adultos com problemas crônicos de saúde é muito alto.”

As raízes do problema

“A saúde dos adolescentes reflete problemas profundos, que começam na infância, com a visão equivocada de que uma criança gordinha é mais saudável”, diz Elizabeth Fujimori, professora de enfermagem e saúde pública da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP) e uma das coordenadoras do Erica no estado de São Paulo. Um estudo publicado no Journal of Pediatric Nursing examinou a percepção de mães sobre o peso de seus filhos com até 3 anos de idade atendidos nas unidades de saúde de uma cidade do interior paulista. “Mais da metade das mães queria que os filhos pesassem mais, mesmo que já estivessem com sobrepeso”, comenta Luciane Duarte, doutoranda da EE-USP que realizou esse estudo, sob a orientação de Elizabeth. “Se a mãe não percebe que a criança está com excesso de peso, não vai procurar ajuda.”

No Erica, Luciane, como uma das 12 supervisoras responsáveis pela coleta de dados nas 122 escolas da Grande São Paulo selecionadas para avaliação, fazia os primeiros contatos com os diretores e com os estudantes para explicar os objetivos do estudo e marcar as datas das entrevistas, avaliações físicas e coletas de sangue. Depois a equipe de campo entrava em cena. Em 2014, uma das supervisoras de campo, Renata Gonçalves, do time de Elizabeth, acordava às 4 horas, reunia os monitores portáteis com os quais a moçada respondia ao questionário sobre seus hábitos alimentares e de saúde, as balanças e outros aparelhos para medir pressão arterial, estatura e diâmetro abdominal e seguia para as escolas da capital e de cidades próximas com mais de 100 mil habitantes. As entrevistas, medições e coletas de sangue começavam às 7 horas.

Tão logo tinham os resultados dos exames de sangue avaliando os níveis de glicose, insulina, colesterol e triglicérides, além dos dados antropométricos e de pressão arterial, os supervisores voltavam às escolas, apresentavam um relatório geral ao diretor e, para cada adolescente que havia participado do estudo, entregavam os resultados de seus exames, em envelopes fechados. “Alguns perguntavam o que era colesterol, muitos se interessavam por mudar os hábitos e alguns diziam ‘estou bem assim’, mesmo não estando”, observou Luciane. Os pesquisadores encaminhavam para os serviços de saúde os casos mais graves, recomendando que começassem logo um tratamento para controlar a pressão arterial, a glicemia elevada ou o excesso de peso. Em todo o país, 25.787 adolescentes, o equivalente a 30,2% dos avaliados com algum parâmetro acima do normal, foram encaminhados para serviços de saúde.

Os estudos publicados na Revista de Saúde Pública trazem também dados sobre o comportamento dos adolescentes em relação a bebidas alcoólicas e sexo. Do total de entrevistados, metade (54%) já havia experimentado alguma bebida alcoólica e 24,1% beberam pela primeira vez antes de 12 anos de idade. As bebidas à base de vodca e cerveja foram as mais consumidas. “O conhecimento desse padrão de preferência dos adolescentes pode ajudar na elaboração de estratégias de prevenção”, observa Katia. Na Pense, na qual esse tema foi pesquisado pela primeira vez, 26% dos adolescentes haviam consumido alguma bebida alcoólica e 21% tiveram algum episódio de embriaguez nos 30 dias anteriores à pesquisa.

Entre os entrevistados do Erica, 28% tinham iniciado a vida sexual, uma proporção que aumentava com a idade, e aos 17 anos mais da metade dos entrevistados relatou ter iniciado a vida sexual. A maioria (82%) usou algum método contraceptivo na última relação sexual, principalmente o preservativo masculino (69%). “Essa proporção poderia ser maior”, diz Ana Luiza Vilela Borges, professora da EE-USP que analisou esses dados. O resultado que a intrigou foi o acentuado contraste regional para o uso da pílula anticoncepcional. Na região Sul, 27% das adolescentes relataram o uso desse método, enquanto na Norte, apenas 3%. Segundo Ana Luiza, uma explicação para essa diferença poderia ser a dificuldade de acesso, porque as adolescentes somente recebem a pílula após passarem por uma consulta médica nos centros de saúde.

Leia a notícia na íntegra.

Esta notícia foi publicada na Edição 248 de outubro de 2016 da revista Pesquisa FAPESP. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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