Biologia & Ciências
30/11/2015
O cérebro sujeito ao tempo
Mesmo sem alterações patológicas, envelhecimento provoca uma reorganização do funcionamento da mentePor Ricardo Aguiar (Revista Pesquisa FAPESP)
Assim como a pele ganha rugas e os cabelos ficam brancos, o cérebro muda conforme a pessoa envelhece. São alterações estruturais e também funcionais, na forma como as diferentes regiões desse órgão se comunicam e relacionam. Resultados publicados na revista Cerebral Cortex ajudam a caracterizar essas mudanças. “Observamos que o cérebro passa por um processo de reorganização”, explica Geraldo Busatto Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), um dos autores do artigo. “Funções mentais importantes exigem integração e sincronia entre diferentes áreas.”
Luiz Kobuti Ferreira, autor principal do estudo e também da FM-USP, conta que o estudo avaliou pareamentos entre 278 regiões do cérebro inteiro. Entre os três mais importantes resultados do trabalho, realizado com ressonância magnética funcional, está o aumento da associação, em idosos, entre áreas de funções diferentes que não precisariam se comunicar para realizar as respectivas tarefas. O exame, que permite ver o cérebro em funcionamento, mostrou que a área responsável pela visão, por exemplo, tem conexão fraca com aquela relacionada ao raciocínio lógico em jovens e adultos. Entretanto, conforme a idade aumenta, essas áreas passam a funcionar mais em conjunto.
“Uma das teorias sobre isso diz que certas regiões cerebrais não conseguem exercer sua função tão bem quanto antes e recrutam outras áreas como forma de compensação, o que leva a uma perda de especialização”, diz Ferreira. Esse tipo de funcionamento pode deixar o cérebro mais suscetível a ruídos, dificultando a execução de tarefas que exigem atenção ao mundo externo. Como os idosos avaliados eram saudáveis e não apresentavam problemas cognitivos, também é possível que a maior conexão entre diferentes áreas esteja relacionada à maior experiência de vida e aprendizado.
Outra diferença entre o cérebro de jovens e de idosos é uma perda de sincronia entre regiões. Durante a infância e a adolescência, algumas redes cerebrais começam a se comunicar mais entre si e passam a ficar ativas simultaneamente, enquanto regiões com funções diferentes podem fazer o processo contrário: se uma delas está ativa, a outra não está. Um exemplo são as regiões responsáveis pela atenção, ativadas diante de uma ameaça, e a Rede de Modo Padrão (Default Mode Network, em inglês), um conjunto de regiões ativo quando a pessoa está alheia ao mundo externo. Em uma parte dos idosos estudados a sincronia entre essas regiões, que é forte em jovens e adultos, fica reduzida.
Pares de regiões fortemente associadas entre si também podem se tornar menos conectadas em idosos. Essa observação foi constatada principalmente na Rede de Modo Padrão e corroborou estudos anteriores realizados com regiões específicas do cérebro.
Os achados complementam trabalhos anteriores do grupo de Busatto, que analisaram como o envelhecimento afeta o cérebro do ponto de vista estrutural. “O cérebro de idosos apresenta uma diminuição de volume que pode ser explicada por várias alterações, incluindo diminuição da densidade de conexões sinápticas, da atividade de neurotransmissores e perda dos prolongamentos dos neurônios”, diz ele.
Ainda não é motivo para se sentir derrotado. O processo de envelhecimento cerebral pode ser minimizado pela prática de exercícios físicos, por uma dieta saudável e por não fumar, além de estar bem psicologicamente e participar de atividades mentalmente estimulantes.
Outros grupos se concentram em compreender como se dá o envelhecimento não saudável do cérebro, como o de Carlos Alberto Buchpiguel e Daniele Farias, do Centro de Medicina Nuclear da USP, em colaboração com o grupo de Busatto. “Eles estão analisando pacientes com comprometimento cognitivo leve e estágio inicial de doença de Alzheimer, responsável por mais da metade dos casos de demência”, diz Busatto. “Está sendo usada a técnica de PET para fazer imagens do acúmulo de fragmentos do peptídeo beta-amiloide no cérebro para analisar, em conjunto com exames de ressonância magnética funcional, se esses acúmulos estão relacionados com mudanças nos padrões de conectividade cerebral”, explica, referindo-se a um tipo de tomografia que permite monitorar determinadas substâncias químicas no organismo.
Estudar o que acontece no cérebro em pacientes com Alzheimer é o objetivo também de Marcio Balthazar, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp): tanto alterações estruturais e funcionais que ocorrem no cérebro como as semelhanças e diferenças entre o envelhecimento saudável e o patológico.
Balthazar observa que pacientes com Alzheimer, em comparação com idosos saudáveis, apresentam uma desativação menor da Rede de Modo Padrão durante a realização de tarefas voltadas para o mundo externo, o que resulta numa menor capacidade de atenção e concentração. Ele também detecta uma maior quantidade de conexões entre áreas do cérebro que exercem diferentes funções. Conforme a doença avança, o cérebro dos pacientes diminui muito mais de tamanho quando comparado a cérebros saudáveis, e deixa de recrutar outras regiões como forma de compensação.
Prevenir e remediar
Um dos principais desafios para Balthazar é encontrar métodos para detectar a doença de Alzheimer da maneira mais precoce possível. Uma ideia é unir os padrões de conectividade cerebral com o que já se sabe sobre a deposição da proteína beta-amiloide, principal responsável pela perda de conectividade e por problemas cognitivos na doença. “Nossos resultados mais recentes indicam que é possível utilizar níveis de beta-amiloide para predizer o grau de conectividade cerebral”, explica. Ele ressalta que a ideia de utilizar a proteína e imagens cerebrais como biomarcadores tem potencial, mas ainda precisa ser refinada para ser utilizada com sucesso na área clínica.
Outro objetivo é descobrir um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer, que hoje não tem cura. O grupo de Balthazar estuda, atualmente, se o exercício físico – que ajuda a prevenir a doença – pode ter efeito também como tratamento. “Resultados preliminares indicam que exercícios físicos têm potencial para retardar não apenas o aparecimento, mas também a progressão da doença.”
Esta notícia foi publicada na Edição 237 de novembro de 2015 no site da Revista Pesquisa FAPESP. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.