Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

15/09/2015

Insuficiência renal e cérebro

Insuficiência renal pode desencadear inflamações neurais

Por Rodrigo de Oliveira Andrade (Revista Pesquisa FAPESP)

Testes com ratos mostram que inflamações são fatores de risco para desencadear déficit cognitivo como perda de memória

 

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Ratos com insuficiência renal crônica desenvolveram déficit cognitivo a partir de inflamações neurais


Há algum tempo se sabe que a insuficiência renal crônica, ou perda progressiva da capacidade dos rins de filtrar o sangue — condição que afeta uma em cada 10 pessoas no Brasil —, pode em alguns casos levar ao desenvolvimento de complicações cognitivas como depressão, perda de memória e demência. Agora, em um estudo publicado na revista PLoS One, um grupo de pesquisadores brasileiros sugere ter identificado os mecanismos envolvidos neste processo. Em experimentos com modelos animais coordenados pelo farmacologista Cristoforo Scavone, do Laboratório de Neurofarmacologia Molecular no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), eles verificaram que o comprometimento da função renal desencadeia inflamações neurais que podem afetar o funcionamento do cérebro.

Os pesquisadores induziram complicações renais em ratos ao retirarem um de seus rins e parte do outro. Os animais foram divididos em dois grupos — um de animais com os 2 rins e função renal normal e outro com animais operados —, acompanhados por 120 dias, e submetidos a testes comportamentais e de memória. No primeiro teste, os ratos foram colocados em uma gaiola com dois ambientes: um claro e outro escuro. Quando iam para o lado escuro, recebiam um estímulo elétrico nas patas. Após 24 horas, o procedimento era repetido. Com isso, os pesquisadores puderam medir o tempo que o animal levava para mudar de um ambiente para o outro. Caso houvessem desenvolvido déficit cognitivo, a tendência seria que fossem para o lado escuro em menos tempo, uma vez que teriam se esquecido dos estímulos que haviam recebido anteriormente. Em outro experimento os ratos eram apresentados a dois objetos iguais. Uma vez familiarizados com eles, um dos objetos era retirado e um novo era inserido no ambiente. Assim, foi possível medir o tempo que os animais levavam para reconhecer o novo objeto e o que já estava lá.

Os pesquisadores observaram que os ratos com insuficiência renal crônica desenvolveram déficit cognitivo nos primeiros 30 dias. Segundo eles, isso se deveu a uma reação inflamatória sofrida pelos animais. Ao fazerem análises mais detalhadas, constataram que no líquido cefalorraquidiano — substância que flui dentro do sistema nervoso central — dos animais com déficit cognitivo havia uma alta concentração de TNF-α, uma citocina que pode ser ativada por uma proteína chamada NF-kB, associada ao processo inflamatório. Consequentemente, os ratos com déficit cognitivo tinham a NF-kB ativada. Ao término do experimento, o grupo de Scavone concluiu que os ratos do grupo com insuficiência renal crônica apresentavam aumento dos níveis desta citocina tanto no hipocampo como no córtex frontal, áreas cerebrais relacionadas a memória. A presença de déficit cognitivo foi associada a maior concentração de TNF-α no córtex frontal.

Scavone e seus colaboradores, então, correlacionaram esses resultados à proteína Klotho, relacionada à longevidade e que regula o fosfato e a vitamina D no organismo. A ausência de Klotho pode levar a uma menor absorção de fosfato, ocasionando acúmulo de cálcio e fósforo no organismo. Trabalhos anteriores já sugeriam haver uma relação entre essa proteína e o sistema nervoso central e que a superexpressão da Klotho poderia potencializar as funções cognitivas, melhorando o desempenho de animais em testes de aprendizado e memória. A análise dos dados feita pelo grupo de Scavone revelou uma diminuição dos níveis dessa proteína no córtex frontal dos animais com comprometimento da função renal e com déficit cognitivo quando comparados com animais do grupo controle. “Conseguimos observar uma associação da Klotho com a doença renal crônica e a presença de déficit cognitivo”, diz. Segundo ele, os resultados podem ajudar a explicar o fato de os pacientes submetidos a diálise apresentarem altos níveis de TNF-α e baixa concentração de Klotho.

Os pesquisadores pretendem agora desvendar as ações da proteína klotho no sistema nervoso central associadas a atividade metabólica e a sinalização inflamatória ao mesmo tempo tentar deter a redução dos níveis dessa proteína em ratos com insuficiência renal. “Pretendemos reverter esse efeito por meio de estratégias estudadas por nosso grupo, como a prática de exercícios físicos e o consumo da curcumina, substância encontrada no pó amarelo-alaranjado extraído da raiz da cúrcuma ou açafrão-da-índia [Curcuma longa]”, diz. Estudos recentes sugerem que a curcumina pode atuar na prevenção e no combate de alguns tipos de câncer, o mal de Parkinson e o de Alzheimer e até mesmo retardar o envelhecimento (ver Pesquisa FAPESP nº 168). Em 2013, um trabalho publicado pelo seu grupo mostrou que a curcumina pode ser capaz até mesmo de reverter déficits cognitivos.

Projeto
Avaliação do envolvimento da via de sinalização WNT em linfócitos e das alterações plasmáticas de citocinas e corticoides em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise com e sem déficit cognitivo e em animais submetidos ao modelo de nefrectomia par? (nº 2011/50596-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Cristoforo Scavone; Investimento R$ 265.254,0 (FAPESP).

 

Artigo científico
DEGASPARI, S. et al. Altered KLOTHO and NF-κB-TNF-α Signaling Are Correlated with Nephrectomy-Induced Cognitive Impairment in Rats. PLoS One. mai 2015.


Esta notícia foi publicada na edição online 12:01 de 28 de agosto de 2015 no site da Revista Pesquisa FAPESP. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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